A força da ira

Erica Andrade
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Luciano Resende foi assassinado aos 36 anos pelo fazendeiro Hélio Ribeiro. O motivo foi uma cerca quebrada. O gado de uma fazenda estava passando para a outra, e Hélio se cansou de esperar por uma solução. A cartucheira era guardada para defender o pecuarista de eventualidades, como o ataque de algum animal. Luciano foi abatido à queima-roupa, sem chances de defesa. O corpo, deixado no meio do mato. Hélio procurou a polícia e confessou o crime. Doze horas depois o jovem foi encontrado, coberto por formigas. Pelo menos uma vez ao dia dona Lucinha se lembra de Luciano e chora. São 1.065 dias desde o assassinato.

O fato aconteceu no interior de Minas Gerais, mas a história se repete democraticamente nas capitais e sertões. Dele podem-se extrair dois aspectos. O primeiro diz respeito à banalização com que se mata. Mentes atordoadas se desconectam de qualquer resquício de bom senso, e motivos fúteis desencadeiam os atos da tragédia. Brigas de trânsito, ciúme, pequenas rusgas. Talvez algum aspecto da ancestralidade humana explique essas atitudes impensadas, tomadas no auge da raiva. Mas não ter uma arma à mão diminui os estragos da ira.

A segunda face da tragédia da família Resende não se resolve pelo desarmamento, caso seja aprovado. Hélio Ribeiro anda livre, e estigmatizado, pelas ruas da cidade. Réu primário, aguarda em liberdade o julgamento. Por ter mais de 60 anos de idade, é provável que permaneça solto.

Apenas uma grande reforma na legislação brasileira pode reverter injustiças flagrantes que os vácuos legais perpetuam. Hipótese cada vez mais distante. A população acompanha os movimentos de um Congresso que não legisla. Para dona Lucinha, o referendo não representa a redução da violência ou da criminalidade. Mas a possibilidade de reduzir a quantidade de armas nas mãos dos cidadãos que, um dia, foram homens de bem.

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Erica Andrade
Revista do Correio Braziliense
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