Brasília, terça-feira, 08 de julho de 2003


 

  

especial
Universitários levam os estudos a sério?

Pesquisa realizada na Unicamp avalia os fatores que influenciam o desempenho dos estudantes

Priscilla Borges
Da equipe do Correio

Estudar em uma universidade pública é a meta da maioria dos jovens brasileiros, mas a realidade de uma minoria. Basta observar a quantidade de candidatos que disputam cada banco das faculdades. Só na Universidade de Brasília, por exemplo, todos os semestres mais de 20 mil candidatos concorrem a cerca de duas mil vagas. E grande parte dos aprovados passou pelas melhores escolas particulares. No entanto, resta a dúvida: será que todos os alunos dão valor a essa oportunidade e aproveitam de verdade os estudos?

  É o que tenta responder uma pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para a tese de doutorado do educador Eliel Unglaub, professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo. Com a aplicação de um questionário de 55 perguntas aos 202 alunos dos cursos de Engenharia de Alimentos, Química, Pedagogia e Ciências Econômicas, o educador pôde avaliar os fatores que influenciam a dedicação dos alunos da graduação aos estudos.

  Esse tipo de análise é comum em países desenvolvidos, como os Estados Unidos. As informações têm valor estratégico. São ferramentas úteis no planejamento das atividades acadêmicas. ‘‘Ajudam a definir ações para melhorar a ocupação dos espaços físicos, por exemplo, aumentar a sincronia entre os cursos e as necessidades e interesses da comunidade estudantil’’, diz o professor.

Os resultados
O estudo aponta características interessantes sobre o desempenho dos alunos. As mulheres, por exemplo, se empenham mais que os homens, de acordo com os dados. Para o educador Eliel Unglaub, a dedicação das meninas começa na infância, quando elas já mostram mais interesse e capricho na realização de tarefas. Suzane Dürer, 21 anos, concorda com a tese. Ela se baseia na própria turma do 1º semestre do curso de Agronomia da UnB, onde as mulheres são minoria. ‘‘Sempre vejo as meninas estudando mais. No nosso curso, elas estão mais preocupadas com as provas do que os homens’’, conta.

  As colegas Dina Márcia Menezes Ferraz, 19 anos, e Sandra Karla Silva de Castro, 20 anos, lembram que essa diferença é também cultural. ‘‘A mulher parece ser mais dedicada ao que faz. Mas, além disso, existe um pouco de discriminação especialmente na nossa profissão’’, analisa. ‘‘Nós temos que nos dedicar mais aos estudos para provarmos que possuímos a mesma capacidade que os homens. E muitas mulheres também têm dupla jornada, trabalham, têm que cuidar dos filhos. Elas acabam dedicando o tempo livre todo aos livros’’, diz.

  Murilo Timo Neto, 18 anos, até acredita que as mulheres sejam, no geral, mais aplicadas. Mas garante que se esforça tanto quanto elas. Leva tão a sério a graduação que passa suas madrugadas em cima dos livros e cadernos, fazendo cálculos e mais cálculos. Ele só tem aulas à noite. Quando chega em casa, retoma os estudos e só pára perto de 5h. Dorme até meio-dia e à tarde já está na Biblioteca da UnB para continuar a maratona. De acordo com a pesquisa, a postura do jovem é típica de quem está começando a vida acadêmica. Unglaub constatou que os universitários do primeiro ano dedicam-se mais que os do segundo e terceiro.

  Benetti Mendes, 22 anos, é prova viva disso. Ele está no 8º semestre do curso de Artes Cênicas da UnB. Até o 4º semestre, o jovem ator passava os dias na biblioteca, lendo todo o conteúdo sugerido pelos professores. ‘‘Depois me senti desestimulado, os assuntos ficaram repetitivos e me concentrei mais no trabalho’’, admite.


Quem é mais dedicado

as mulheres
os casados
os mais velhos
os iniciantes
os trabalhadores
estudantes de baixa renda
alunos de um só período


Pesquisa feita com 202 alunos de quatro cursos da Unicamp, considerando dados como sexo, estado civil, idade, trabalho, turno e renda familiar, além de crenças religiosas, hábitos alimentares e atividades físicas. As informações foram cruzadas em um software especializado para esse tipo de pesquisa qualitativa, desenvolvido pelo Instituto de Diligência de Michigan, nos Estados Unidos.

Exemplo vem dos estudantes carentes
Daniel Ferreira

Fábio, Jonas e Vilma levam seus cursos com muita dedicação para melhorar a vida de suas famílias


‘‘Percebemos que os alunos mais velhos, os que trabalham e os de origem mais humilde são mais aplicados porque consideram o fato de estudar na Unicamp uma chance única, que não pode ser desperdiçada.’’ O educador Eliel Unglaub faz a afirmação baseado nos resultados da pesquisa, mas também em conversas com os próprios alunos, professores e coordenadores dos cursos. Quem passou (ou passa) por dificuldades valoriza mais a oportunidade de estar na universidade.

  Vilma Rocha Mendonça, de 20 anos, por exemplo, sabe a importância de levar a sério os estudos para a vida dela. Aluna de baixa renda, a moradora do Paranoá conta com o apoio dos pais, que sequer terminaram o ensino fundamental, e da universidade. Sempre estudou em escolas públicas e passou no primeiro vestibular que tentou para Pedagogia. A estudante, que está no 2º semestre do curso, conta que passa, no mínimo, quatro horas na biblioteca todos os dias. O objetivo é se tornar uma excelente profissional.

  A constatação da Unicamp sobre o empenho dos alunos de baixa renda ganha o apoio de uma pesquisa realizada dentro da UnB, pela Diretoria de Desenvolvimento Social. Segundo a DDS, os estudantes menos favorecidos financeiramente têm rendimento igual ou superior aos outros jovens. A análise foi feita com base no Índice de Rendimento do Aluno (IRA), que avalia o desempenho acadêmico, durante os últimos três anos. O IRA varia de 0 a 5 e é calculado pelas menções finais, número de créditos das disciplinas e trancamentos de matérias optativas e obrigatórias.

  No departamento de Economia, por exemplo, o IRA dos universitários de baixa renda foi de 3,41 contra 2,95 dos demais. Jonas Gonçalves de Moraes, 23 anos, é um dos alunos de baixa renda do curso. Ele deixou a cidade de Catalão, em Goiás, onde morava com o pai, para formar uma carreira em Brasília. O futuro economista é o primeiro da família a fazer um curso superior. Tamanha responsabilidade faz de Jonas um estudante dedicado. Quando não está em sala de aula ou trabalhando no Serviço de Orientação Universitário, encontra-se estudando. ‘‘Estudar para mim é um prazer e preciso aproveitar a oportunidade que tive’’, afirma.

  Maria do Socorro Mendes Gomes, diretora da DDS, lembra da importância dos programas de assistência estudantil para os mais carentes. Entre os benefícios estão o alojamento, a bolsa-alimentação (as refeições custam entre R$ 0,50 e R$ 1), o vale-livro (dá descontos de 25% em obras publicadas pela Editora UnB) e a bolsa permanência (paga R$ 130 para os jovens que prestam serviços dentro da universidade). ‘‘Esse é um investimento da instituição no aluno, essencial para mantê-lo no curso e melhorar a qualidade de vida dele’’, garante.

  Fábio de Medeiros, 19 anos, decidiu fazer o curso de Ciências Contábeis de olho no mercado de trabalho. Ele sonha em melhorar a vida dos pais e dos quatro irmãos.